
Você Poderia Matar Alguém? Refletindo Sobre “Não Sou Um Serial Killer”
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Dizem que quando você vive em um zoológico você mata mais coisas do que mantém viva: dezenas de ratos para alimentar a casa dos répteis, por exemplo. Considerando que cerca de 96,8% de toda humanidade come carne, você provavelmente ajudou a matar inúmeras vacas, frangos, porcos e peixes só para ler esse site. Todos somos vampiros até certo ponto, tirando vida para prolongar a nossa nesse imenso zoológico que chamamos de Terra. Muitos tem medo de reconhecer nossa posição na cadeia alimentar porque nós gostamos de pensar que somos pessoas boas e amáveis, mas somos animais; o impulso de matar está em nós desde Caim e Abel. Os americanos, também são fascinados por serial killers, em parte para entender nossos próprios impulsos homicidas, quanta dor podemos aguentar e o que, se é que tenha algo, poderia nos impedir de matar.
John Cleaver, o jovem protagonista do filme de Billy O’Brien Não Sou Um Serial Killer (I Am Not A Serial Killer), compartilha essa fascinação mórbida: ele embalsama corpos na funerária da mãe, ele faz trabalhos de escola sobre Jeffrey Dahmer e sobre o Assassino BTK (uma sigla em inglês para amarrar, torturar e matar) e o terapeuta dele o diagnostica como um sociopata, aconselhando-o a elogiar as pessoas que fazem bullying com ele em vez de enfiar um garfo na jugular deles.
John (interpretado por Max Records, o garoto de Onde Vivem Os Monstros (Where the Wild Things Are)) vive isolado em uma cidade do interior de Clayton, Minnesota — ele vem de uma família desunida, só tem dois amigos (um colega da escola excluído e seu vizinho idoso, interpretado por Christopher Lloyd), e fica obcecado com o novo serial killer da cidade: uma pessoa (ou coisa) que literalmente despedaça o interior das pessoas.
Para se proteger, John passa o seu tempo lendo sobre assassinos e sobre ocultismo na biblioteca da escola e começa a perseguir seus vizinhos, curioso sobre quais poderiam ser o assassino. Certamente, o próprio John poderia ser o assassino também, afinal, ele sempre está por perto quando outra vítima morre. Mas a sua raiva da sociedade é apenas um de muitos motivos possíveis.
A verdade é que, no centro-oeste cheio de neve, muitos assassinos em potencial cercam o John — caçadores, policiais, adolescentes insatisfeitos, idosos doentios e pais em luto — cada um com as próprias razões para, seja em defesa de um ente querido ou medo cego e ódio. O diretor Billy O’Brien envolve seus espectadores no ato: muitos de nós vemos assassinatos todos os dias a nossa volta — em guerras no exterior, hospitais sem recursos e nas ruas das cidades — e pouquíssimos de nós fazem alguma coisa para acabar com eles; chamamos de vida, chamado de Terra.
O verdadeiro horror no trilher-cômico de O’Brien não vem do culpado, vem dos danos que causamos uns aos outros todos os dias, os relacionamentos que rompemos e muitas pequenas mortes que lentamente transformam pessoas em assassinos lendários.